quinta-feira, 14 de abril de 2016

Eco

O barulho vinha sendo minha única companhia hodiernamente, o som que vinha de trás daquela porta era familiar, mas eu não conseguia acordar (...)
 Tudo que um dia julguei importante já não era mais tão essencial assim, pelo menos era o que meu consciente gritava constantemente para mim.  As pessoas estavam em extinção naquele espaço que eu havia criado, elas haviam se tornado seres inanimados e os seres inanimados se tornado meu conforto e a minha família. Me apeguei em tudo que eu tinha e desapeguei do que eu achava que possuía, tudo que me restava eram coisas que fingiam preencher a minha alma vazia. 
Os livros corretamente enfileirados em minha estante e cobertos por uma camada de pó, eram a minha forma de comunicação. Sempre que eu lia algo dali, era como se os personagens criassem vida e falassem comigo, mas eu sabia que essas fantasias só aconteciam no mundo fictício e que aquele som era apenas o eco que aquela sala vazia trazia até os meus ouvidos. A solidão tinha se tornado minha amiga fiel e eu estava começando a acreditar que aquele era meu castigo, ou a minha sina.
A noite estava muito fria e meu corpo pesado demais para levantar e fechar a janela. O vento entrava forte e ecoava um som ensurdecedor e me fazia tremer com aquela corrente de ar fria que queimava minha pele. O eco naquele lugar, pouco iluminado, emitia algumas palavras, que para muitas pessoas seriam inaudíveis, mas que para mim dardejavam como uma sinfonia perfeita e sincronizada. 
A luz da lua ardia na copa da árvore que dançava no ritmo do vento lá fora. Eu não sabia como e nem de onde, mas meu corpo ergueu-se em um salto para ir até lá. Fechei a porta daquele espaço, deixando minha xícara de café e meu livro em cima do aparador que enfeitava o vazio, com eles também deixei o eco e a solidão, para ser racionalmente capaz de ouvir meus próprios pensamentos. 
Ao chegar do lado de fora, a chuva começou a cair e cada gota que pingava em mim causava uma reação diferente ao meu corpo: dor, calafrios, frio, arrepios e o ciclo se repetia incansáveis vezes até meu corpo se acostumar. Me sentei debaixo da árvore e deixei minha cabeça descansar em seu largo tronco. As sensações continuavam a percorrer pelo meu corpo e apesar daquele ciclo ser um pouco doloroso, eu nunca havia me sentido tão viva.
(...) finalmente consegui erguer os meus olhos, o ambiente permanecia do mesmo jeito, vazio, com meus livros empoeirados e minha xícara de café, que ainda estava quente. O eco nunca havia sido tão claro, me levantei daquele chão duro e frio e deixei que a porta que o trouxe até os meus ouvidos, guiassem minhas pernas até o lugar de onde eu nunca deveria ter saído.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Anjo

Eu achava que a gente se conhecia, mas estava totalmente enganada, quer dizer...talvez!
Aquela troca de olhares que existia entre nós já não tinha mais o mesmo brilho, a mesma intenção e nem o mesmo significado. A intensidade daquela luz que irradiava daquelas grandes esferas, se esvaiu deixando apenas uma cortina de pequenos pontos pretos, que se formava quando os olhos decidiam render-se ao sono. Naquela noite, pude observar de perto aquele rosto que, já não era mais tão familiar, mas que deixou muitas recordações que o tempo jamais poderá anular e nem dissipar. Aquele rosto meio comprido, com a boca fina e vermelha, com as bochechas rosadas e cobertas de algumas sardas, era a definição de um anjo. Um anjo sem asas, que iria "voar" para longe de mim quando o feixe de luz insiste em entrar pela minha janela na manhã seguinte. Passei meus dedos pelos seus cabelos dourados e continuei o percurso desenhando o formato de seu rosto, por último acompanhei o contorno de sua boca, tão vermelha, que parecia está coberta de sangue. Parei ali por um tempo, respirando baixo para não acordar aquela criatura, que parecia frágil e indefesa. Revivi momentos inesquecíveis, enquanto  admirava sua beleza única e foi inviável  não tocar seus lábios, que estavam quentes e rígidos. Ergui minha cabeça para sair, quando suas pálpebras revelaram suas enormes esferas azuis, que encontraram as minhas. Naquele momento o brilho ainda não era o mesmo, mas ainda assim brilhava. Me aninhei em seus braços e deixei meu corpo descansar em seu peito quente e nu, só por aquela noite (...)