segunda-feira, 8 de maio de 2017

Pertencer

Estava cada vez mais difícil respirar. Acordei sufocada com seu corpo extremamente quente e pesado sobre mim, o empurrei gentilmente para o outro lado da cama e sentei-me para conter minha respiração ofegante e recobrar o ar perdido, enquanto estive embaixo de seu corpo nu. Vesti a sua camisa que estava sob meus pés e caminhei vagarosamente, pé ante pé, para fora do quarto. 
Da porta sua pele parecia cintilar sob a luz da lua, seus cabelos louros e desgrenhados pediam sobre seu rosto quadrado e davam-lhe um toque exageradamente sexy. Ele era uma pintura, uma verdadeira obra de arte e era todo meu. Mas eu não era só dele e nem só minha. 
Observá-lo dormir esvaia meus piores pensamentos, me dava a sensação de ser a pessoa que eu sabia, que talvez, jamais seria. Sua respiração era lenta e silenciosa, sua boca vermelha despertava em mim os desejos mais profundos, mas mesmo assim, eu não podia ser só dele. 
Olhar pra ele, me trazia paz e ao mesmo tempo agonia, aflição e uma sensação de confinamento. Eu não era de ninguém, não era nem de mim mesma. Eu havia acostumado a ser livre, a voar sem ter que voltar pro mesmo lugar todos os dias e eu sabia que estava chegando o momento de seguir o meu caminho, porém sozinha. Sentei na poltrona próxima a janela e observei a lua que estava enorme lá fora, era uma paisagem inexplicável e de tirar o fôlego. 
A noite estava bem luminosa, o quarto estava extremamente alumiado, mas os meus pensamentos estavam apagados e turvos. Descansei a cabeça nas mãos e deixei meus pensamentos fluírem. Eu sabia que não pertencia a ninguém, afinal de contas nem eu me conhecia por completo para me pertencer. 
Ás vezes eu não sabia quem eu realmente era, quem eu seria e quando eu veria as coisas de uma maneira diferente das que eu enxergo nesse ponto da minha vida. Meus olhos não alcançavam o amanhã, eu só vivia do hoje, não tinha tempo para arrependimentos e nem para desperdício de tempo e oportunidade, era raridade eu pensar em acontecimentos futuros. Inseguranças e medos eu sabia que todo mundo tinha, mas os meus, sempre me pareceram piores que os dos outros, pois eu não sabia exatamente como controlá-los. 
Eu não me entregava, sob hipótese alguma, para ninguém, não me possibilitava amar além da conta, não colocava a felicidade de ninguém na frente da minha, não me importava em dizer adeus e nunca me importei de não ter alguém para chamar de meu. Se nem eu era de mim mesma, por que me preocupar em ter alguém para ser? Além do mais, eu já tinha deixado claro na minha consciência que as pessoas não se pertencem. 
Eu sempre fui do mundo, sempre fui um ser de alma limpa, leve e solta. Nunca pensei em como seria a minha vida se eu amasse mais do que o outro, se eu escolhesse alguém para ser a minha propriedade, se eu me permitisse ser parte das pessoas do grupo comum. Ser incomum sempre foi meu ponto forte, assim ninguém me machucava, não me magoavam e nem me deixavam como segunda opção, para depois me sentir fútil, inútil e um monte de lixo que agora não servia para nada. 
Talvez fosse um pensamento egoísta, mas funcionava para mim. 
Ser dona do meus pensamentos, das minhas ações e ser decidida de tudo o que eu queria pra mim mesma, foram sempre o ponto alto do tipo de pessoa que eu sou. A minha essência era ser forte, era encarar a realidade como ela é, era saber que eu não estava imune às várias sensações que eu ainda não conhecia, mas também eu tinha consciência das minhas limitações e de tudo aquilo que era saudável pra mim. 
O clichê me perseguia constantemente. As pessoas me incomodavam insistindo em me tirar do mundo que eu estava acostumada a viver, mas eu não estava preparada para sair. Eu assistia às pessoas se decepcionarem todos os dias, a derramarem lágrimas por coisas que, em minha opinião, não valiam a pena, a se isolarem e se sentirem culpados por pessoas que as faziam sofrer, a esquecerem de suas essências e raízes e a morrer de amor, alguns metaforicamente, outros, tragicamente, morriam literalmente de amor. 
Eu não estava confortável para fazer parte desse histórico de pessoas clichês, eu preferia ser moderna, chorar de dor física, me sentir sozinha por realmente estar sozinha, me sentir mal por ter falhado em uma prova e me isolar por ter que estudar para não falhar outra vez. Eu tinha medos e inseguranças como todo ser humano, afinal de contas eu não era uma pessoa cem por cento fria, amarga e egocêntrica, parece, mas não sou. 
Meus sentimentos, meu futuro, minha melhor versão e o meu lado clichê, estavam ocultos na minha mente e no meu coração. Estavam trancados a sete chaves e só seriam libertos quando eu realmente estivesse preparada para arriscar a destruir tudo o que construí durante a minha vida inteira. Eu só os colocaria em prática quando tivesse a certeza de que eles seriam usados somente aquela vez. 
Na verdade, soava meio bobo pensar assim, mas eu não podia simplesmente desistir de quem eu era por qualquer um. O amor tinha se tornado tão banal, utópico e um sentimento muito caro nos tempos de hoje. O preço a se pagar por ele era absurdo, porque para todo mundo era muito fácil amar e desamar. 
Eu não sou superficial assim, eu sou profunda, sou intensa e sou verdadeira. Para muitos, eu era uma pessoa sem sentimentos, mas para mim eu só era idealista, pensava bastante para não fazer besteira e não pertencer ao grupo dos inventores de desculpas. Eu era orgulhosa demais para ter que me desculpar por não amar alguém na mesma intensidade e proporção, eu não podia obrigar meu coração a aceitar alguém pelo simples fato de a pessoa querer que fosse assim. 
Talvez, essa maneira de viver tenha feito meu ego crescer, mas pelo menos eu não enganava as pessoas de quem eu realmente era, do que eu realmente queria e de como as coisas seriam a partir do momento que alguém escolhesse ficar comigo. 
Eu sempre fui transparente, clara e às vezes até extremista na minha forma de pensar e agir, mas em conseqüência disso, eu nunca havia precisado interpretar papéis. 
Voltei para a cama e a minha obra de arte ainda adormecia. Sua pele ainda estava radiante sob a luz daquela imensa lua, beijei seus lábios lentamente, gosto doce e frio, e deitei-me ao seu lado, pois até o fim daquela noite, na mente da minha pintura, eu era toda dele, assim como eu sabia que ele era todo meu, mas era só por aquela noite. Pois se nem eu era dona de mim, ninguém mais poderia ser.



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