A distância, o desconhecido e o novo se tornaram minhas companhias diárias. Eu não sabia se perderia muito, ou ganharia pouco, caso eu optasse por cruzá-la. Eu já havia ouvido todos os tipos de clichês, todas as frases feitas e tudo aquilo que poderia minimizar ou maximizar a ideia de enfrentá-la. Eu sabia que se quisesse mudanças eu teria que arriscar, sabia também que o desconhecido seria a causa principal de cada passo que eu desse. Eu mergulharia em um mundo totalmente diferente. Sentimentos, destinos, direções, paradas, aventuras e uma lista infinita de coisas que chegariam conforme o tempo. Não dava para afirmar que tipo de mundo era. Colorido? Cinza? Ou seriam os dois? Talvez houvesse mesmo um tipo de equilíbrio e tudo estivesse em uma perfeita simetria, menos a minha mente, que estava perdida em um mundo virado de cabeça para baixo. Dentro de tantas questões, afirmações e dúvidas, havia um limite entre o novo e o misterioso, eu tinha vontade de entrar nessa dimensão, descobrir tudo aquilo que não conhecia e entender as vantagens de dividir todas as coisas, até mesmo a lateral da minha cama, que sempre foi uma ala meio egoísta da minha parte. Eu sei que eu tentava esconder quem eu era, tentava limitar minhas visões e meus pensamentos, mas era muito difícil dar o primeiro passo. No meio de tantas palavras eu sempre me lembrava dela, das propostas, das declarações e de toda simpatia e compreensão que ela havia demonstrado. Sim, ela havia entrado no meu mundo particular, havia feito uma pequena bagunça no meio das coisas que eu havia organizado esgotadamente, mas eu já não importava mais, por menor que fosse, ela tinha feito uma mudança dentro de mim. Eu não sabia mais como e o que elucidar, a única certeza que eu tinha era de que as minhas emoções estavam dissipadas no mesmo ar, que ela, a luz no meio da escuridão da minha alma, se encontrava.
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
terça-feira, 8 de novembro de 2016
Companhia
Por um longo período da minha vida, foi difícil perceber que a solidão era a minha companhia favorita. Por um tempo mais curto, foi menos difícil perceber que amor, só se fosse o próprio. E por um curtíssimo espaço de tempo, foi fácil encontrar e descobrir um pouco de quem eu era. Esse equilíbrio entre tempo e decisão, foi onde eu percebi que ficar sozinha não era um hobbie, não era uma opção e nem uma escolha, era meu mundo. Eu tinha que aprender como viver sozinha ao lado de alguém, pensei diversas vezes que seria complicado, mas ao mesmo tempo eu sabia que não seria impossível. A questão era descobrir o que eu precisava, porque o que eu queria eu já possuía. Ouvi diversas vezes que para termos algo na vida, vez ou outra, teríamos que abrir mão de alguma coisa. Mas eu não me sentia pronta para abrir mão de mim, para abrir mão da relação que eu havia criado comigo mesmo e de tudo que eu havia construído nesse tempo, tudo que havia conquistado com a minha consciência como companhia. Talvez todo esse pensamento fosse egoísta, mas não seria fácil trocar a certeza pela dúvida. O orgulho falava mais alto, não dava para ouvir a razão, menos ainda o coração, mas para mim, ainda não havia existido sensação mais libertadora do que ser a própria companhia.
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Incertezas
Quantas são as vantagens que se pode tirar de uma vida onde apenas se sobrevive? Quais são as opções para um coração que bate fraco, uma mente que pensa rápido e um corpo que obedece lento? As perguntas eram infintas, mas as respostas eram mínimas. Complicado, talvez fosse a fronteira entre a dúvida e a certeza. A dúvida se as repostas chegariam e a certeza de que a vida sempre me questionaria. Meu limite estava quase no fim, ler, pensar, escrever, não eram mais coisas simples como antes, agora requeriam muita energia, algo que eu já não tinha há muito tempo. Eu precisava encontrar algo que me reerguesse, que clareasse tudo aquilo que meu campo de visão não me permitia enxergar, e que de uma maneira não tradicional, respondesse meu questionamento interno e fizesse com que meu corpo obedecesse aos meus comandos. As ideias não estavam claras na minha mente e eu não conseguia imaginar como ou por onde começar. Eu também não queria desistir assim tão fácil, afinal de contas eram as perguntas que moviam o mundo. E se as perguntas fossem a resposta para a minha vida? Deixar que elas me movessem assim como fazem com o universo lá fora, será que poderia mudar tudo? As cores seriam mais vivas, meu coração dançaria conforme o ritmo tocado e minhas pernas alcançariam o objetivo sem tropeçar? Talvez, só talvez, eu estivesse precipitando meus pensamentos, que até então eram um pouco escassos, mas eu sabia que não poderia transformar, algo que ainda nem aconteceu, em um total fracasso. A vida não se baseava em talvez, disso eu tinha consciência, porém uma vez eu aprendi que a dúvida, as vezes, era a única saída desse mar de enigmas, pois a certeza, ocasionalmente, era a exclusiva causa de não aceitarmos o risco de ousar viver sem indagar a nós mesmos.
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
Inspiração
A inspiração tinha ido embora, não havia deixado nada para trás além da minha vontade em tê-la de volta. Talvez fossem os lugares que não me permitiam usufruir da minha imaginação. Andei pela casa toda, meu quarto, sacada, jardim, mas nada acontecia. Coloquei as melhores músicas para tocar, li historias que eu adorava, tomei café e chá, deitei na grama e observei o céu, deitei na rede sentindo o balançar daquele vai e vem, folheei álbuns de fotografias antigas, observei o por do sol e tentei me deleitar com aquela visão, mas ainda assim nada acontecia. Será mesmo que a inspiração tinha esquecido de mim? Esquecido de quem éramos quando estamos juntas? Havia mesmo esquecido da sintonia que tínhamos ao criarmos um conto? Eu não conseguia pensar em um motivo racional para caracterizar o vazio que eu sentia agora, um vazio que eu não sabia como preencher, que eu não sabia de onde vinha e não sabia quando ia acabar. A única certeza que eu tinha no momento, era de que todas as palavras que estavam diante dos meu olhos, nunca haviam sido escritas por mim, pareciam ter sido levadas para um lugar sombrio e distante. Estava bem complicado processar que a minha única companhia não quis me dar uma segunda chance. Opa, agora que falei em chance, consigo entender em partes o motivo de eu ter sido abandonada. Eu havia desamparado a minha inspiração primeiro, ela havia batido na minha porta diversas vezes e por muito tempo eu não abri, e quando finalmente eu sai da minha zona de conforto para recebê-la, era ela quem não me queria mais. A partida da minha inspiração seria o começo de uma nova era para tudo o que eu caracterizava como "motivo" para a minha escrita? Será que o vazio que me perturbava era uma espécie de silêncio para o meu abandono? Talvez eu estivesse louca, talvez eu não estava raciocinando antes de responder tantas perguntas, mas não podemos viver a vida baseada em talvez. A única certeza que eu tinha agora, era que eu deixaria todas as portas abertas para receber de volta a minha inspiração, para deixar ela entrar e bagunçar tudo dentro de mim, porque ela sabia que a sintonia que sempre tivemos, era consequência da confusão que minhas emoções sempre gostaram de experimentar.
terça-feira, 14 de junho de 2016
Amigos?
Éramos amigos, o carinho fluía de uma maneira que eu jamais seria capaz de explicar. Ele era a maior parte do melhor de mim, ele era meu melhor amigo. Eu não sabia como esconder minhas emoções, não sabia conter o que eu sentia e muitas vezes eu não percebia as proporções que tomavam, até agora. Hoje decidimos andar pela praça que interligava o caminho de nossas casas. O dia, apesar de nublado, nos saudava com um belo arco-íris e um vento frio que arrepiava o corpo, mas nos mantinha mais próximos um do outro. Enquanto caminhávamos ele segurou a minha mão, a sensação que eu senti foi diferente das outras vezes em que estivemos ali. Da última vez que passeamos por aqui ele me beijou e desde então o mundo que eu enxergava dentro de seus olhos, mudou. Agora ele girava mais devagar, era mais colorido e ecoava uma melodia maravilhosa em consequência de cada piscada. Paramos no meio da praça e ele me abraçou, senti aquele cheiro tão conhecido e o segurei por mais alguns segundos em meus braços, mas ele me soltou, o abraço dele foi diferente do costumeiro. Ele me olhou nos olhos e pediu que os fechasse, obedeci. Aproveitei aquele momento, estávamos sozinhos e o tempo estava a favor do que eu gostaria de dizer para ele, deixei escapar "eu te amo", mas de seus lábios o som foi outro, "estou indo embora", meu sorriso desapareceu. Senti o mundo sumindo debaixo dos meus pés e foi como se não tivesse mais gravidade. Uma estaca foi cravada em meu peito. Eu não sabia como reagir, meus lábios secaram e minhas mãos tremiam. Ele segurou-as entre as suas e beijou a minha testa. Vagarosamente as soltou e se foi. Fiquei ali, no centro de nossa ligação, o vendo partir. A ponte se quebrou, o elo se rompeu e o amor dele por mim, morreu. Era tudo tão perfeito até o meu melhor amigo se tornar o meu amor.
quinta-feira, 9 de junho de 2016
Daltônico
O mundo através da minha janela me saudava com uma campina recheada de flores. Era tudo colorido e o perfume que aquele vasto campo exalava, era inexplicável. Ao final daquela extensão, cruzando com a linha da terra, estava o mar, uma imensidão fria e azul. Lembro-me de perder a cor do céu, o azul foi nublado pelo anuviado cinzento. Mas a retirada das cores estava longe de acabar. Meus olhos acompanhavam vagarosamente o vermelho, o rosa e o amarelo das flores se escurecerem. O verde da grama e das folhas foram se tornando cada vez mais turvo. Virei-me para o mar, aquela vastidão azul e serena, e vi sua linda cor juntar-se com o cinza do céu. Comecei a caminhar em direção ao mar, pois eu queria ver de perto o tom que a água tinha alcançado. Estava muito escura, assentei-me na grama e a toquei, estava muito mais fria do que eu imaginava. A cor que o cobriu era tão escura, que parecia um enorme espelho. Meu reflexo se deformava em conseqüência do balanço das ondas, ora para lá ora para cá. Um vento muito forte e gelado percorreu minhas costas, arrepiando cada fio do meu corpo. Fechei os olhos para receber a brisa em meu rosto. Senti uma gota fria rolar pelo meu rosto, abri os olhos, agora era a chuva que me saudava. Levantei-me e corri pela campina, sentindo as pétalas gélidas das flores cortando minha pele, o vento frio beijando meu rosto e a chuva gelada ensopando minhas roupas. Parei no meio das flores e me virei novamente para o mar. Uma onda começou a se formar em meio a tempestade e juntas iniciaram uma dança de tirar o fôlego. Deitei em meio as flores e fui inebriada por aquele perfume sem nome. A chuva estava diminuindo aos poucos. Fechei os olhos e me permiti sentir o quão especial era poder, talvez, ser a única a desfrutar aquela sensação de liberdade. Acordei sentindo um vento frio soprando em meu ouvido. É claro, eu havia me esquecido de fechar a janela e minha poltrona nunca havia sido tão confortável. As cores estavam todas de volta, a fronteira entre a linha do mar e da campina, hoje, havia se tornado sem graça. As flores estavam geladas e agora tinham cor. Arranquei uma rosa vermelha e a levei para meu quarto, deixei que ela descansasse no mesmo lugar em que eu estava há minutos atrás, e quando ela escurecesse, eu a olharia fixamente em busca do meu mundo sem cor.
terça-feira, 7 de junho de 2016
Controvérsia
Certa vez me pediram para definir solidão, felicidade, amor, ódio e a vida. Na hora fiquei sem entender o fundamento de tal coisa, mas prometi que quando eu soubesse o que dizer, responderia. No caminho de volta para casa começou a chover, mas eu estava com muita pressa para chegar e poder pensar em como eu responderia tamanho desafio, que não esperei que a chuva diminuísse ou passasse, simplesmente continuei meu caminho sem medo do que molharia ou não. As gotas de chuva estavam bem fortes, as ruas desertas e as árvores dançando em um movimento continuo para um único lado, ali fui capaz de definir o que era a solidão. Olhando tudo ao meu redor, percebi que a única presença real ali era a minha, bem no meio da estrada, e então a solidão me acompanhou. Enquanto eu caminhava lutando contra o vento que cortava minha pele, eu compreendi que a solidão faz parte do trajeto até a felicidade. Ninguém é cem por cento feliz, ninguém é capaz de alcançar a felicidade sem antes conhecer um pouco da solidão, para chegarmos lá, temos que ter passado por "cá", para equilibrarmos a fronteira entre quem somos e quem nos tornaremos quando finalmente encontrarmos e sentirmos a felicidade, porque a solidão é o colo que acolhe e que nos carrega até lá. A felicidade é a sala preparatória para ditar sobre o amor, pois quando a felicidade toma conta do coração, o amor não é mais utopia. Quando o amor toma conta do cérebro e espalha citocina pelo corpo, os movimentos se tornam involuntários e tudo quanto é ação é restritamente feita em consequência disso. As vezes os efeitos desencadeiam o ódio, que apesar de ser uma palavra muito forte, caminha juntamente com o amor, que se um dia for iludido, quebrado ou magoado, quem o substituirá será o ódio, que consome todo o sentimento bom que existia e o transforma em uma vontade avassaladora de nunca mais querer amar alguém. A falta de amor e a presença do ódio, bloqueia o cérebro de pensar racionalmente, arrancando de nós um lado cujo ninguém conhecia. A vida é só o ciclo que move tudo isso. Metamorfa, sorrir, chora, caminha, para, vai e vem, e no final tudo passa a valer a pena, porque na vida o tempo não espera e o único ciclo que não podemos parar é a morte.
terça-feira, 31 de maio de 2016
Intermédio
Entre os muitos tropeços da vida, haverá um momento em que você tem que se levantar. Entre todos os obstáculos que vão se erguer quando você estiver de pé, haverá um momento em que você terá que superá-los. Entre todas as situações que a vida jogar no seu colo, haverá um momento em que você terá que levantar a cabeça e seguir em frente. Entre todos os amores que passar por você, haverá um momento em que apenas um vai permanecer. Entre todas as coisas que você fizer na vida, haverá um momento em que as consequências vão aparecer. Entre todos os caminhos que você decidir traçar, haverá uma altura que não te permitirá voltar. Entre todas as pessoas que vem e vão, haverá um momento em que você terá que selecionar as que poderão ficar. Entre todas as suas habilidades, haverá um momento em que terá que optar por uma só. Entre as suas amizades, haverá um momento em que alguém irá te abandonar. Entre o finito e o infinito, haverá dimensões que você não poderá apreciar. Entre o céu e a Terra, haverá um momento em que você terá que escolher entre andar ou voar. Entre todas as fronteiras, haverá um momento em que você terá que decidir de que lado vai estar. Entre a vida e a morte, haverá muitas decisões a se tomar. Entre lá e cá, haverá sempre uma extensão sobre o que aspirar.
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Armadilha
Éramos um conjunto, um conjunto de muitas pessoas. As pessoas eram diversificadas e todas tinham um alvo em comum. O alvo era eu, mas eu já tinha sido acertada por um dardo e não podia deixar que outros tentassem me acertar. Meu dardo não sabia que uma nova competição havia sido, indiretamente, aberta e eu não fazia ideia de como parar uma ação relativamente natural. Todos os dardos tentavam me acertar, ficavam na mira e disparavam sem parar, mas eu sempre desviava. Eles eram muitos, mas atiravam em um movimento solo. Meu pólo positivo atraia cada vez mais pólos negativos, para se juntar aquele conjunto. Como? Eu não sabia responder e muito menos o motivo de o alvo ser eu. As minhas palavras e meus desvios de nada valiam, eu estava cercada. Todo lado que eu caminhava, havia um dardo apontado em minha direção. Na frente, na minha retaguarda, dos dois lados, em cima e em baixo. A armadilha foi bem estruturada e meus olhos ardiam tentando criar uma estratégia diante daquela pressão. Eu tinha plena consciência de que eu deveria correr, mas infelizmente eu não tinha para onde ir. Fechei os olhos e deixei que os dardos seguissem seu curso. Os dardos foram atirados e todos acertaram em mim, mas nenhum grudou, nenhum ficou preso, estavam todos ao chão. Ainda éramos um conjunto, um conjunto de muitas pessoas. Éramos muitos, mas no final não tínhamos ninguém.
domingo, 15 de maio de 2016
Anestesia
Fisicamente eu não sentia nada. Dor, frio, cócegas, calor, arrepios, eram sensações desconhecidas por mim no momento. Eu poderia classificar essa falta de sensibilidade como uma espécie de anestesia, apesar de não saber ao certo o motivo. Mas espiritual, mental e psicologicamente eu estava devastada. Um tsunami de sensações, que eu nunca imaginei sentir, rolava dentro da minha cabeça, meu coração estava oco e frio e o som que vinha de dentro dele ardia em meus ouvidos e martelava na minha cabeça sem dar trégua. A cada momento o espaço, apesar de vazio, ficava mais apertado trazendo consigo uma nova onda, que ao invés de levar o que me consumia, trazia uma carga maior para preencher aquele vazio comprimido dentro de cada lugar do meu corpo. Eu não conseguia agir, fisicamente eu estava petrificada pela falta de percepção e isso me impedia de movimentar. Por dentro eu estava cada vez mais consumida, em uma luta interminável com os abalos trazidos pelas lembranças. Razão, emoção, dúvidas, alegrias, dor, saudade, tristeza, entre milhares de outros sentimentos que eu não sabia como classificar. Era impossível me mover, era impossível chorar, era impossível sorrir, era impossível tornar alguma ação possível e a cada segundo uma parte de mim morria. O som do eco do meu peito queimava em meus ouvidos e invadia minha cabeça de uma forma ensurdecedora, tapei meus ouvidos e comecei a gritar para mim mesmo que tudo aquilo não era real. Quanto mais eu aumentava a intensidade do grito, mais alto o eco ficava. Resolvi me entregar, pois a única saída daquela prisão doentia, era para de tentar ir contra. Desisti de lutar, desisti de tentar entender, desisti de impedir as sensações de rolarem. Deixei que a anestesia física entrasse e entorpecesse meus sentidos como uma droga, que atingisse cada lugar do meu corpo e matasse por um momento o que estava tentando me matar.
quinta-feira, 14 de abril de 2016
Eco
O barulho vinha sendo minha única companhia hodiernamente, o som que vinha de trás daquela porta era familiar, mas eu não conseguia acordar (...)
Tudo que um dia julguei importante já não era mais tão essencial assim, pelo menos era o que meu consciente gritava constantemente para mim. As pessoas estavam em extinção naquele espaço que eu havia criado, elas haviam se tornado seres inanimados e os seres inanimados se tornado meu conforto e a minha família. Me apeguei em tudo que eu tinha e desapeguei do que eu achava que possuía, tudo que me restava eram coisas que fingiam preencher a minha alma vazia.
Os livros corretamente enfileirados em minha estante e cobertos por uma camada de pó, eram a minha forma de comunicação. Sempre que eu lia algo dali, era como se os personagens criassem vida e falassem comigo, mas eu sabia que essas fantasias só aconteciam no mundo fictício e que aquele som era apenas o eco que aquela sala vazia trazia até os meus ouvidos. A solidão tinha se tornado minha amiga fiel e eu estava começando a acreditar que aquele era meu castigo, ou a minha sina.
A noite estava muito fria e meu corpo pesado demais para levantar e fechar a janela. O vento entrava forte e ecoava um som ensurdecedor e me fazia tremer com aquela corrente de ar fria que queimava minha pele. O eco naquele lugar, pouco iluminado, emitia algumas palavras, que para muitas pessoas seriam inaudíveis, mas que para mim dardejavam como uma sinfonia perfeita e sincronizada.
A luz da lua ardia na copa da árvore que dançava no ritmo do vento lá fora. Eu não sabia como e nem de onde, mas meu corpo ergueu-se em um salto para ir até lá. Fechei a porta daquele espaço, deixando minha xícara de café e meu livro em cima do aparador que enfeitava o vazio, com eles também deixei o eco e a solidão, para ser racionalmente capaz de ouvir meus próprios pensamentos.
Ao chegar do lado de fora, a chuva começou a cair e cada gota que pingava em mim causava uma reação diferente ao meu corpo: dor, calafrios, frio, arrepios e o ciclo se repetia incansáveis vezes até meu corpo se acostumar. Me sentei debaixo da árvore e deixei minha cabeça descansar em seu largo tronco. As sensações continuavam a percorrer pelo meu corpo e apesar daquele ciclo ser um pouco doloroso, eu nunca havia me sentido tão viva.
(...) finalmente consegui erguer os meus olhos, o ambiente permanecia do mesmo jeito, vazio, com meus livros empoeirados e minha xícara de café, que ainda estava quente. O eco nunca havia sido tão claro, me levantei daquele chão duro e frio e deixei que a porta que o trouxe até os meus ouvidos, guiassem minhas pernas até o lugar de onde eu nunca deveria ter saído.
quarta-feira, 13 de abril de 2016
Anjo
Eu achava que a gente se conhecia, mas estava totalmente enganada, quer dizer...talvez!
Aquela troca de olhares que existia entre nós já não tinha mais o mesmo brilho, a mesma intenção e nem o mesmo significado. A intensidade daquela luz que irradiava daquelas grandes esferas, se esvaiu deixando apenas uma cortina de pequenos pontos pretos, que se formava quando os olhos decidiam render-se ao sono. Naquela noite, pude observar de perto aquele rosto que, já não era mais tão familiar, mas que deixou muitas recordações que o tempo jamais poderá anular e nem dissipar. Aquele rosto meio comprido, com a boca fina e vermelha, com as bochechas rosadas e cobertas de algumas sardas, era a definição de um anjo. Um anjo sem asas, que iria "voar" para longe de mim quando o feixe de luz insiste em entrar pela minha janela na manhã seguinte. Passei meus dedos pelos seus cabelos dourados e continuei o percurso desenhando o formato de seu rosto, por último acompanhei o contorno de sua boca, tão vermelha, que parecia está coberta de sangue. Parei ali por um tempo, respirando baixo para não acordar aquela criatura, que parecia frágil e indefesa. Revivi momentos inesquecíveis, enquanto admirava sua beleza única e foi inviável não tocar seus lábios, que estavam quentes e rígidos. Ergui minha cabeça para sair, quando suas pálpebras revelaram suas enormes esferas azuis, que encontraram as minhas. Naquele momento o brilho ainda não era o mesmo, mas ainda assim brilhava. Me aninhei em seus braços e deixei meu corpo descansar em seu peito quente e nu, só por aquela noite (...)
quarta-feira, 30 de março de 2016
Ninguém
Quando abri os olhos não fui capaz de enxergar nada. Era um lugar apertado, percebi quando meus olhos se acostumaram um pouco com a falta de luz. Estava quente e tinha um perfume meio diferente, eu não conseguia me mover, mas não por falta de espaço total e sim porque meu corpo não obedecia aos meus comandos, eu só conseguia piscar e mais nada. As batidas do meu coração ficavam mais fortes a medida que eu tentava me movimentar e não conseguia, as lágrimas começaram a rolar e o desespero preencheu aquele lugar. Decidi parar de lutar e resolvi pensar sobre alguma coisa. A primeira que me meio a cabeça foi a minha vida. Será que eu estava vivendo-a de maneira certa e proveitosa? Será que eu estava sonhando e tendo uma chance de repensar sobre as coisas que estavam erradas? Eu ainda não conseguia entender o que estava acontecendo comigo, mas nessas idas e vindas de pensamentos e ações que eu vivia diariamente só me mostravam o quão mesquinha minha vida estava sendo. O estoque dos meus produtos estavam em falta: amor, afabilidade, empatia, solidariedade e até mesmo pessoas. Deixei que as erradas ficassem e mandei as certas irem embora, não mantive as promessas que cumpri, não me diverti com as oportunidades que me foram dadas, não me coloquei no lugar das pessoas e fui incapaz de doar aquilo que não me servia mais. As lágrimas continuavam a queimar o meu rosto, mas desta vez eu consegui erguer as minhas mãos para secá-las, mas o resto do meu corpo ainda não se movia. Eu ainda não consegui decifrar onde eu estava e o que estava acontecendo, mas inexplicavelmente meus pensamentos pareciam ajudar, continuei pensando e me lembrei de um alguém em especial que fez de tudo por mim e eu não soube apreciar. Dessa vez as lágrimas desceram mais fortes e o choro ecoou naquele lugar e meu corpo respondeu aos meus comandos. Tentei me levantar a fim de entender o que estava acontecendo, mas minha cabeça encontrou com algo duro e maciço que me fez deitar novamente. Um arrepio percorreu meu corpo quando comecei a entender a situação. O tempo passou, eu estava existindo, os sonhos foram destruídos, as lembranças apagadas e a data de comemorar a minha existência também havia mudado. Era tarde demais para tentar concertar, a vida me deu inúmeras chances e eu não soube usufruir. O amanhã para mim já não existe mais e o mundo jamais irá sorrir para mim. A única coisa que irei receber que terá vida, serão as flores que irão cobrir a minha lápide quando e se alguém lembrar quem um dia fui, ninguém.
terça-feira, 29 de março de 2016
Esperança
Opções sempre existem, mas não é tarefa fácil o momento de escolher entre elas, principalmente quando a situação se divide em proporções e maneiras diferentes de serem classificadas na escala de satisfação, sendo ou não pessoal. Me perdi diversas vezes de formas diferentes, mas acabava parando sempre no mesmo lugar. Eu estava cansada de tentar fazer meus olhos se acostumarem com a falta de luz daquele beco sem saída que minha consciência sempre me levava. Aquele lugar era sujo, frio, as paredes úmidas e o clima o mais pesado possível. Acho que eu sempre vagava por ali por me sentir parte daquele lugar, era exatamente assim que meu coração poderia ser denominado. Assim como o beco escuro, frio, sem vida e com uma nuvem escura tampando minha alma e me impedindo de escolher entre as poucas opções que me restavam: paixão, atração e esperança, cujo eu já havia descartado diversas vezes, mas que sempre voltava e me deixava usá-la novamente. A paixão me cegava, a atração me iludia e eu ficava ali, perdida naquela linha de fogo, sem ter a capacidade de pensar racionalmente no que fazer. Eu não conseguia me desfazer de uma delas, mesmo sabendo que me faziam mal, porém eu sabia que não poderia ter todas. Acabei optando pela esperança, porque depois de todas as dores, lágrimas, raiva, revolta e todo e qualquer sentimento que me forçou a mandá-la ir embora, foram os mesmos motivos que a fizeram voltar. A partir dali eu soube que a esperança era de fato a última a morrer e que se eu não a escolhesse a única coisa me restaria seriam as lembranças que jamais poderiam ser revividas, pois uma vez aprendi que o tempo passa e o que muda não são as coisas e sim as pessoas.
sábado, 20 de fevereiro de 2016
Vozes
Em algum lugar dentro da minha cabeça havia vários tipos de vozes. Estava cada vez mais difícil acompanhar aquele ritmo que não tinha sincronia nem concomitância, aquele pequeno espaço estava virando um verdadeiro pandemônio. Os momentos estavam ficando distorcidos na minha mente. Eu não conseguia mais separar minhas lembranças, não sabia definir as coisas que vinham acontecendo em escalas de gravidade ou simplesmente qual eu deveria resolver primeiro, talvez ainda pensando se deveria resolvê-las. Não havia nada que pudesse me distrair daquela confusão mental, todos os sentimentos estavam misturados, sem definição e sem prévia para o fim. Eu não tinha mais noção das minha ações, palavras, movimento, eu não era capaz nem de fechar os olhos para tentar pensar. Os gritos aumentavam cada vez mais na minha cabeça. Tentei por diversas vezes esvair parte dessas vozes, tentei canalizar, tentei de tudo mas falhei em todas elas. Resolvi desligar tudo a minha volta e fui me banhar no feixe do por do sol que banhava minha janela, sentei ali e por fim consegui fechar os olhos, mas desta vez eu não tinha lutado contra as vozes, eu deixei que elas me guiassem. Permaneci de olhos fechados e deixei o vento e o calor do sol serem a certeza de que eu estava realmente respirando. Quando abri os olhos já não tinha mais sol, agora eu estava sendo saudada com uma lua absurdamente grande e brilhante. As vozes também haviam sumido e eu sabia que elas não tinham ido embora com o sol. Eu também tinha consciência que mesmo não tendo percebido como e quando, a única forma de acabar com aquela bagunça mental era parando de lutar, era deixando que as vozes percebessem por si só que elas não pertenciam aquele lugar e que no fim, exclusivamente, somente a minha voz seria ouvida.
terça-feira, 26 de janeiro de 2016
Útil
Será que eu realmente conhecia o significado da palavra útil? Acho que essa era uma pergunta que eu nunca pensei em fazer a mim mesma. Era fato que muitas coisas na vida eram proficientes, outras nem tanto, que algumas eram utilizadas e quando não servissem mais, seriam doadas ou simplesmente jogadas no lixo, isso falando literalmente. E metaforicamente, qual seria o significado para tal? Pensei por um curto período de tempo e compreendi que neste sentido, utilidade não era nada parecido com "utilizar e descartar". As pessoas estavam usando os significados trocados, aquilo que era fútil, desnecessário e superficial, valia muito mais do que as pequenas coisas que jamais poderiam ser esquecidas ou jogadas ao vento. O mundo havia se tornado numulário, se não tivesse valor monetário então não tinha valor nenhum. O amor havia se tornado algo raro, não era fácil encontrar e quando encontrado tinha que ser escondido por muitas camadas de disfarce porque o mundo era cruel, as pessoas desejavam o que você conquistava para não ter o trabalho de encontrar o seu com as próprias mãos. Era sempre mais fácil pegar o amor dos outros do que descobrir o seu, era mais fácil destruir o coração de alguém do que deixar que destruíssem o seu, sorrir com a felicidade dos outros era mais fácil do que buscar sua própria motivação para sorrir e utilizar o que não era seu também sempre foi mais fácil, porque quando tudo acabasse o seu ainda estaria novo para te fazer recomeçar. Estava tudo de pernas para o ar na minha cabeça, as coisas foram substituídas por pessoas e as pessoas por coisas. Tudo se tornou, em teoria, mais simples, era mais fácil amar seu carro novo do que amar alguém, era melhor comprar sapatos novos do que presentear um indivíduo com flores ou qualquer outra coisa clichê, contemplar-se na frente do espelho era um hábito muito mais eficaz do que dizer para um ser "qualquer" que ele tinha um sorriso maravilhoso, afinal de contas o caminho mais largo é sempre melhor do que o caminho mais estreito. Para que ter o trabalho de pular obstáculos se eles são tão, inúteis? A vida se tornou algo supérfluo, tudo que deveria ser mais importante havia caído para a zona da segunda opção. Será que um dia seríamos inteligentes ao ponto de tentar reverter a situação que nós mesmos criamos? O amor voltaria a ser um sentimento livre ao invés de algo materializado? E a vida, voltaria a ser útil antes de nos tornarmos seres vazios e fúteis? Muitas perguntas e eu ainda não tinha uma resposta concreta para nenhuma, além do mais eu não era mais uma pessoa, eu havia sido substituída por uma "coisa". Uma "coisa" que não tinha sentimento, só um pequeno valor até o dia que outra coisa chegasse para me tornar nada mais nada menos que uma pessoa nula.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
Chuva
Fazia mais de uma semana que a chuva caia constantemente, sem tréguas. As vezes apenas caia mais fraca, mas nunca parava. Todos os nossos encontros foram desmarcados em consequência disso, pelo menos era o que ele alegava. Eu não devia acreditar no que ele dizia, mas de uma forma estranha eu não sentia vontade de questioná-lo sobre isso, eu apenas assentia com a cabeça e esperava pela "próxima" vez, apesar de ter noventa e nove por cento de certeza de que não chegaria, eu deixava o único um por cento restante me manter esperançosa. A chuva não deveria ser um obstáculo, deveria ser um incentivo, ele poderia vir até a minha casa ou eu poderia ir a casa dele, mas isso nunca foi uma opção relevante. Depois de tantas tentativas, eu decidi que estava na hora de parar de esperar e resolvi dar uma volta. Naquela sexta-feira a tarde, ainda chovia, mas eu decidi sair assim mesmo, peguei meu guarda-chuva e fui andar em uma praça próxima da minha casa. Parei em um quiosque, no qual costumávamos ir juntos para comprar um café, e foi ali que eu o vi, saindo da casa de uma pessoa desconhecida pelos meus olhos, mas pelo visto muito conhecida pelos olhos dele. Como eu não tinha pensado nisso antes? Passou todas as possibilidades em minha cabeça, menos a de que ele pudesse estar comprometido com um outro alguém. Quando seus olhos encontraram os meus, que já estava banhado de lágrimas, eu deixei tudo que tinha em minhas mãos cair. Quando percebi que ele caminhava em minha direção comecei a correr na direção oposta ao caminho da minha casa, com o cabelo encharcado e a roupa colando no meu corpo, fiz um sinal para que ele parasse, estávamos há alguns poucos metros de distância, ele parou, tentou caminhar para mais perto e eu gritei que não, ele não insistiu mais. Continuei andando pela chuva sem olhar para trás, sem sentir nada, exceto a lágrima que ardia em minha pele fria. E ali, há poucos metros do nosso café favorito, em nossa praça favorita eu vi a chuva levar embora meu único um por cento de chance de acreditar que poderíamos ser felizes.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
Opções
Eu estava convicta de que ele tinha mais de duas opções. Ele mentia quando tentava afirmar que não tinha umas três ou quatro, disso eu tinha certeza, mas ainda assim eu não conseguia me libertar de seus braços. Quando estávamos juntos eu me considerava a primeira opção naquela novela da vida real, mesmo não sendo a única personagem principal. Eu já havia pensado bastante em como classificar o meu papel e eu cheguei a conclusão de que, a amante, eu não era. Convenhamos, nenhuma pessoa pode ser tarjada como "suja" por gostar de alguém cujo coração já tenha "dono", afinal, esse lance de amor não é questão de escolha, certo? Talvez sim, talvez não. Sendo franca, eu nunca consegui entender porque ter duas opções quando se pode encontrar todas em uma só. A nossa relação não era somente física, não era nada carnal, era um sentimento real e cheio de emoções que eu jamais saberia explicar. Poderia ser ilusão, eu sei, mas nunca houve nada que demonstrasse que era. Porém no fim, tudo voltava a estaca zero e todo aquele ciclo recomeçava. No fundo eu sabia que talvez ele não me escolheria, mas eu quis correr o risco de ir até o fim e tentar de todas as formas, fazer com que os olhos dele me enxergassem como os meus o enxergavam. Não era somente beleza, eu via através daquelas grandes esferas castanhas a sua alma transparecer de uma forma jubilosa. Aquele sorriso torto me desmontava e eu era incapaz de permanecer no mundo quando ouvia sua voz sussurrar o meu nome. Eu criava asas e só me sentia em terra firme quando os seus lábios tocavam os meus. Mas quando eu tinha que me despedir eu via todo o amor que eu sentia se transformar em utopia.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
Imperfeito
Talvez eu estivesse louca, ou estava apenas sonhando que era, mas tudo aquilo que eu classificava como perfeito já não fazia mais sentido nenhum. As peças não se encaixavam, as cores não se misturavam, o dia era noite e a noite era dia. Tentei acreditar que era tudo mentira, quando me vi cercada por aquele olhar inesperado, mas não era. Eu me senti normal, segura e sem desejo nenhum de qualquer toque vindo dele, mas aquele olhar fixo e penetrante permanecia em mim, e aquilo me fazia corar, não de vergonha, mas de confusão por não saber como reagir. Ele não se aproximava, não falava comigo, não demonstrava nada em ações, ao me ver sozinha, mas nunca desviava o olhar colérico e frenético de mim. Eu sabia de sua obsessão e fixação, mas não imaginava que chegaria a esse ponto, nós não nos falávamos há um certo tempo, não nos víamos, era como se fossemos completamente estranhos e nossa relação incomum. Mas isso não o impediu de continuar buscando por mim, indiretamente, e sem que eu soubesse. Diante daquele olhar frio, na luz fraca do por do sol, ele se aproximou, me tocou com muita cautela e sussurrou que sentia saudade, eu não respondi. Ele me beijou e depois fez comigo algo que somente ele saiu satisfeito, pois para mim foi indiferente e que no final, foi classificado como pecado, por ele, enquanto deixava o local da maior descoberta da minha vida. E ali, me sentindo impura, na primeira página do meu livro, eu descobri quem era o vilão e em como ele, que um dia foi o mocinho, fez o que era perfeito se tornar imperfeito.
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